domingo, 3 de março de 2013

RUBEM VALENTIM


A INFLUÊNCIA DA ARTE AFRICANA NA PINTURA DO BRASILEIRO   RUBEM VALENTIM É daqueles artistas realmente singulares, que alcançou uma linguagem individual que o tornou facilmente reconhecível até para um público leigo através da realização de uma antropofagia de fato, reunindo influências externas para criar uma arte autenticamente brasileira, partindo de imagens subjetivas mas construindo sua obra objetivamente.


Esta autenticidade pode ser observada nos seus emblemas que, a partir de signos do candomblé, se transformam em uma simbologia construtiva consoante com a linguagem internacional.

Virtuoso, mestre das cores e geometrias, Valentim não poderia ter nascido em ano mais inspirador. Baiano de Salvador, o artista nasceu em 1922, meses depois da polêmica e discutível Semana de Arte Moderna de 22, que representou uma ruptura na linguagem, na busca pela experimentação e na liberdade artístico criadora nacional, apresentando ao país as peculiaridades do modernismo.

Autodidata, Valentim começou a pintar em meados da década de 1940 quando, ao lado de outros então jovens artistas, como Mario Cravo Júnior e Carlos Bastos, contribuiu para o movimento de renovação do panorama cultural baiano.

Formado em Odontologia, exerceu por alguns anos a profissão da qual foi se afastando gradativamente para se dedicar cada vez mais à pintura. Nesse mesmo ano ingressou no Curso de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia, que concluiu em 1953.

Em 1949 participou pela primeira vez de uma coletiva - o Salão Baiano de Belas Artes, no qual seria premiado em 1955 - e em 1954 fez a sua primeira individual, na Galeria Oxumaré de Salvador.

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Suas primeiras experiências foram abstratas, e longo em seguida aparece a simbologia mística que irá marcar a sua obra: em um primeiro momento os signos litúrgicos afro-brasileiros aparecem agrupados sobre a tela, com uma organização quase acidental, mas aos poucos vai acontecendo uma espécie de ‘limpeza’ e eles se organizam simetricamente sobre o quadro. As cores sofrem uma grande mudança, já que os tons dão lugar às cores puras em grandes chapadas sobre a tela.

Em 1957 transfere-se para o Rio de Janeiro, e passa a participar ativamente da vida artística dessa cidade e da de São Paulo, expondo em inúmeras coletivas, salões e certames, como a Bienal de São Paulo e o Salão Paulista de Arte Moderna (medalha de ouro em 1962).

No Salão Nacional de Arte Moderna ganhou o prêmio de viagem ao estrangeiro em 1962. Com esse prêmio embarcou em 1963 para a Europa, fixando-se em Roma após visitar vários países.

Na capital italiana permaneceu por três anos, realizando em 1965 uma individual na Casa do Brasil, além de participar de algumas coletivas.

Em setembro de 1966, após tomar parte no Festival Mundial de Artes Negras de Dacar (Senegal), retornou ao Brasil e se fixou em Brasília, atendendo a convite para dirigir o Ateliê Livre do Instituto Central de Artes da Universidade de Brasília, função que desempenharia até 1968.

No mesmo ano do regresso participou com sala especial da I Bienal Nacional de Artes Plásticas, em Salvador.

Nos próximos 20 anos, sempre residindo em Brasília, com fugas episódicas a São Paulo ou a outras cidades brasileiras, Rubem Valentim integrou importantes coletivas realizadas no País e no exterior, entre elas a Bienal de São Paulo (prêmios de aquisição em 1967 e 1973), a Bienal de Arte Construtiva de Nuremberg (Alemanha, 1969), o Panorama de Arte Atual Brasileira (MAM de São Paulo, 1969), a II Bienal de Arte Coltejer (Medellín, Colômbia, 1970), o Salão Global da Primavera (Brasília, 1973 - prêmio de viagem à Europa), Artes Plásticas Brasil-Japão (Tóquio, 1975), Visão da Terra (MAM do Rio de Janeiro, 1977), Geometria Sensível (MAM do Rio de Janeiro, 1978) etc. Do mesmo modo, expôs individualmente em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Cuiabá, destacando-se as mostras de 1970 no MAM do Rio de Janeiro (31 Objetos Emblemáticos e Relevos-Emblemas de Rubem Valentim) e as de 1975 e 1978 em Brasília - Rubem Valentim: Panorama de sua Obra Plástica e Mito e Magia na Arte de Rubem Valentim -, organizadas, ambas, pela Fundação Cultural do Distrito Federal.

Rubem Valentim partiu de uma pintura que revelaria, no começo, fortes influências parisienses; mas, olhando para dentro de si mesmo em meados da década de 1950 passou a utilizar, como matéria-prima do seu fazer estético, sua ancestralidade africana, o ativismo negro a que se referiria em 1966 o crítico italiano Giulio Carlo Argan, para quem a arte do brasileiro corresponderia a uma "recordação inconsciente de uma grande e luminosa civilização negra anterior às conquistas ocidentais".
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E o fez sem nenhuma concessão ao folclórico, ao turístico ou ao pitoresco, antes interpretando a simbologia ritualística de seus antepassados em termos de visualidade pura.

A fixação no Rio de Janeiro, em 1957, quando ia no apogeu o movimento concretista, reforçou, em Valentim, a necessidade construtiva, que já existia desde o início, aliás: mesmo sem se filiar ao movimento, Valentim sentiu-lhe o impacto benéfico, passando a estruturar ainda com maior rigor suas obras, atenuando-as porém pelo colorido sensual e profundo.

A permanência européia, de 1963 a 1966, revelou-lhe novas experiências e pesquisas - das quais tomaria conhecimento sem abrir mão contudo das próprias convicções estéticas.

Finalmente, passando a residir em Brasília e possivelmente influenciado pela espacialidade característica da cidade, sentiu a necessidade de recortar, do suporte bidimensional da pintura, seus símbolos e signos, concedendo-lhes a vida autônoma de objetos tridimensionais.

Sua pintura transformou-se, assim, em totem, altar, estandarte, escultura pintada, objeto emblemático eivado de uma grave e recôndita religiosidade.

Dessacralizador de fetiches e de objetos rituais, aos quais imprime os contornos de uma semântica peculiar, Rubem Valentim tem sido considerado por alguns estudiosos, entre eles José Guilherme Merquior, o pioneiro de uma arte semiótica brasileira.

Em 1994 sua obra foi objeto de uma bem cuidada retrospectiva no Centro Cultural Banco do Brasil, do Rio de Janeiro.

Faleceu na cidade de São Paulo, em 1991.

Abaixo alguns trechos de declarações de do artista para a revista GAM3, em entrevista realizada em 1967.

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A descoberta da cor (por volta dos 5 ou 6 anos de idade, através de um caco de vidro disputado com uma vizinha)
Não sei que fim levou meu caco de vidro azul, mas o tenho até hoje no coração. Esse foi meu primeiro contato com a mulher e com a cor. Ambas, posteriormente, marcariam minha vida, irreversível e duramente.

Primeiras habilidades manuais
Aos 9 anos, comecei a fazer meus próprios presépios. Pintava e armava as casinhas de papelão, a igreja branca com janelas verdes, figuras de Maria e José, Adão e Eva com serpente, maçã e tudo, a lapinha, a cidade de Jerusalém (…). Tudo era pintado no papelão e recortado, preso num pedaço de madeira atrás, para ficar de pé. Mundo poético, popular, de cor e riqueza imaginativa, que ficou em mim e influenciou profundamente a minha arte".

Influência da arte contemporânea
Meu primeiro contato importante com a arte contemporânea ocorreu em 1948, na exposição de artistas nacionais e estrangeiros organizada por Marques Rebelo na Biblioteca Pública de Salvador. Fui vê-la várias vezes, deslumbrado, perdido, chocado com aquele mundo fantástico e tão novo para mim. Aluguei uma sala num velho sobrado de três andares, com sacada de ferro. Pela manhã desenhava composições com garrafas, latas, moringas, vasos, ex-votos e cerâmica popular.

Elaborava esquemas de cor e valores. À tarde, fazia pesquisas formais – livres, imaginosas. Ou ia ao Museu de Arte conversar com José Valladares, que me emprestava livros e revistas sobre arte.

Reproduzia imagens de um livro grosso sobre Cézanne, copiando-as a óleo, com valores em cinza. Com Cézanne aprendi a compor. Fiz cópias também de Modigliani, Matisse, Braque, Picasso e Chagall. Através de Klee compreendi a liberdade da expressão plástica e o valor fundamental da imaginação criadora. Sempre lutando para vencer as dificuldades de execução. Nunca fui muito habilidoso – felizmente. Vivia com sacrifício, sem dinheiro.

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ReligiosidadeCéu. Purgatório. Inferno. Ensinaram-me que havia pecados e que um deles era o pecado original, me falaram do nada e da criação do mundo. Fiquei ao lado de Cristo contra os que o mataram. Comecei a ir às igrejas e me perdia na contemplação: o ouro dos altares, as imagens, o silêncio, o cheiro de incenso e o de vela. (…) Ao lado da igreja, comecei a conhecer também o outro universo fantástico do candomblé. Um fenômeno típico da Bahia: minha família, católica, de quando em vez ia ver um caboclo num candombé. E lá ia eu, penetrando nele sem querer mais sair. O baiano, para sua felicidade, é católico animista.

Natureza e forma de sua linguagem artísticaCom o peso da Bahia sobre mim – a cultura vivenciada – com o sangue negro nas veias – o atavismo – com os olhos abertos para o que se faz no mundo – a contemporaneidade – criando meus signos-símbolos, procuro transformar em linguagem visual o mundo encantado, mágico e provavelmente místico que flui continuamente dentro de mim. O substrato vem da terra, tão ligado ao complexo cultural da Bahia. Partindo desses dados pessoais e regionais, busco uma linguagem autêntica para me expressar artisticamente.

Não tenho ambições vanguardistas, ou melhor, não quero ser um eterno profissional das vanguardas.

Sobre o concretismoNunca fui concreto. Tomei conhecimento do Concretismo através de amizades pessoais com alguns de seus integrantes. Mas logo percebi, pelo menos entre os paulistas, que o objetivo final de seu trabalho eram os jogos óticos, e isto não me interessava. Meu problema sempre foi conteudístico (a impregnação mística, a tomada de consciência de nossos valores culturais, de nosso povo, do sentir brasileiro). Claro, mesmo não tendo participado do Concretismo, percebi entre seus valores a idéia da estrutura que se adequava ao caráter semiótico de minha pesquisa plástica. Mas posso dizer que sempre fui um construtivo.


Sobre a descoberta da arte negra e dos signos do candomblé
…sobretudo os objetos e instrumentos do culto nagô-gegê. Encontro consciente com o oxê de Xangô: o machado duplo, do mesmo eixo central, recriado por mim, posteriormente, e transformado em forma fundamental da minha pintura. O xarará de Omolu, o ibiri de Nãnã, o abebê de Oxum, os símbolos de ferro de Osanhe e de Ogum, o pachoró de Oxalá. (…) A organização compositiva, quase geométrica, dos pegis. Um amor imenso à construção geométrica, que sentia como inerente a todas as coisas orgânicas e inorgâncias. As contas e colares coloridos dos Orixás. Na pintura buscava uma linguagem, um estilo para expressar uma realidade poética, extraordinariamente rica, que me cercava, para torná-la universal, contemporânea. Pacientemente fazia o transpasse de todo esse mundo para o plano estético.


2 comentários:

Anônimo disse...

Radical pô muitho loco man P.U.T.A.S

Anônimo disse...

Muito criativo esse site tive um bom uso dele. Muito obrigado ao dono.